ALTERAÇÃO E EXTINÇÃO DE CONTRATOS No último dia 1º de abril, foi sancionada a Lei nº 14.133/2021, a Nova Lei de Licitações. Oriunda do Projeto de Lei 4.253/2020, que tramitou por cerca de 25 anos na Casa Legislativa, a Nova Lei de Licitações traz ajustes necessários evidenciados pela prática resultante não apenas da Lei nº 8.666/1993 (Lei de Licitações), mas das leis especiais que a seguiram, como as Leis nº 10.520/2002 (Lei do Pregão), nº 12.462/2011 (Regime Diferenciado de Contratações Públicas – RDC), dentre outras. O novo texto centraliza institutos que antes estavam esparsos e concentra tendências até então encontradas apenas nas leis especiais, jurisprudência e doutrina. Em vista desse cenário e das mudanças trazidas pela Nova Lei de Licitações, Tauil e Chequer dará continuidade à divulgação dos boletins de Direito Administrativo, agora focados em pontos relevantes da Nova Lei de Licitações. No boletim de hoje, falaremos da alteração e da extinção dos contratos, duas das chamadas prerrogativas da Administração Pública que dão os traços característicos do regime dos contratos administrativos. ALTERAÇÃO DOS CONTRATOS ADMINISTRATIVOS Há duas formas pelas quais um contrato administrativo pode ser alterado: unilateralmente pela Administração Pública ou por acordo das partes. Na Nova Lei de Licitações, as hipóteses de alteração unilateral dos contratos administrativos permanecem as mesmas: o contrato poderá ser alterado qualitativamente, quando houver modificação do projeto ou das especificações, para melhor adequação técnica a seus objetivos; e quantitativamente, quando for necessária a modificação do valor contratual em decorrência de acréscimo ou diminuição de seu objeto, nos limites permitidos pela lei (art. 124, inciso I, alíneas ‘a’ e ‘b’) 2 Tal qual na Lei nº 8.666/1993, a Nova Lei de Licitações também determina que o contratado será obrigado a aceitar, nas mesmas condições contratuais, acréscimos ou supressões de até 25% (vinte e cinco por cento) do valor inicial atualizado do contrato, sendo o percentual de 50% (cinquenta por cento) no caso específico de contratos para reformas de edifícios ou de equipamentos (art. 125). Ponto digno de nota da Nova Lei de Licitações foi o ajuste pontual, mas significativo, na redação do artigo que fixa os limites percentuais aplicáveis às alterações, esclarecendo sua incidência sobre ambas as hipóteses de alteração unilateral. Encerra-se, assim, um debate que se arrastava há anos, sobre a aplicabilidade do limite de 25% (vinte e cinco por cento) às alterações qualitativas, que agora é incontroversa. Com relação ao limite máximo percentual, a Lei nº 8.666/1993 previa uma única exceção, no caso de supressões resultantes de acordo entre as partes. Tal disposição foi excluída da Nova Lei de Licitações. Vale lembrar, porém, que a jurisprudência dos tribunais de contas já reconhecia exceções não previstas em lei, que devem permanecer aplicáveis. Adicionalmente, também no campo das alterações qualitativas, a Nova Lei das Licitações positivou a limitação à alterações que transfigurem o objeto da contratação (art. 126), tal qual amplamente reconhecida pela jurisprudência e pelos tribunais de contas. Outra mudança sutil, mas significativa, é o esclarecimento feito pela Nova Lei de Licitações que, no caso de alteração unilateral do contrato, a Administração deve restabelecer o equilíbrio econômico-financeiro inicial através do mesmo termo aditivo (art. 130). A redação anterior falava apenas da necessidade de que fosse restabelecido “por aditamento”, sem especificar o momento, fazendo com que desequilíbrios se arrastassem por longos períodos, às expensas do contratado. Corretamente, o novo dispositivo esclareceu também que a obrigação de reequilibrar concomitantemente o contrato se aplica igualmente nos casos de diminuição dos encargos do contratado, em favor da Administração. Com relação às hipóteses de alteração consensual dos contratos administrativos, três delas permanecem as mesmas: quando conveniente a substituição da garantia de execução; quando necessária a modificação do regime de execução da obra ou do serviço, bem como do modo de fornecimento, em face de verificação técnica da inaplicabilidade dos termos contratuais originários; e quando necessária a modificação da forma de pagamento por imposição de circunstâncias supervenientes, mantido o valor inicial atualizado e vedada a antecipação de pagamento em relação ao cronograma financeiro fixado sem a correspondente contraprestação de fornecimentos de bens ou execução de obra ou serviço (art. 124, inciso II, alíneas ‘a’, ‘b’ e ‘c’). 3 A mais conhecida das hipóteses de alteração, contudo, foi objeto de mudanças. A Nova Lei das Licitações reformulou o texto do antigo artigo 65, inciso II, ‘d’ da Lei nº 8.666/1993, que agora prevê que as partes poderão alterar o contrato de comum acordo para restabelecer o equilíbrio econômico-financeiro inicial do contrato em caso de força maior, caso fortuito ou fato do príncipe ou em decorrência de fatos imprevisíveis ou previsíveis, de consequências incalculáveis, que inviabilizem a execução do contrato tal como pactuado, respeitada, em qualquer caso, a repartição objetiva de risco estabelecida no contrato (art. 124, inciso II, alíneas ‘d’). A nova redação, mais simples, também suprime a menção a “álea econômica extraordinária e extracontratual”, que abria margem para interpretações excessivamente restritivas do dispositivo, desalinhadas com a norma constitucional que assegura a manutenção do equilíbrio econômico-financeiro. Ainda, a Nova Lei de Licitações, mais moderna, traz expressamente a alocação contratual de riscos para dentro da equação econômico-financeira do contrato. No tema da alocação de riscos, outro dispositivo sem correspondência na legislação atual é o que estabelece que o atraso na conclusão de procedimentos de desapropriação, desocupação, servidão administrativa ou licenciamento ambiental, por circunstâncias alheias ao contratado, no caso de obras e serviços de engenharia, dá ensejo à alteração contratual consensual para restabelecer o equilíbrio do contrato (art. 124, §2º). Trata-se, portanto, de alocação de risco determinada pela própria lei, que determina caber à Administração Pública suportá-lo. Nota-se que a Nova Lei de Licitações dá especial atenção à alteração de contratos de obras e serviços de engenharia, especialmente para mitigar sobrepreços e superfaturamentos. Uma novidade nesse sentido é a previsão de que a diferença percentual entre o valor global do contrato e o preço global de referência não poderá ser reduzida em favor do contratado durante a execução contratual, através de aditamentos que modifiquem a planilha orçamentária (art. 128), positivando a orientação do Tribunal de Contas da União. Trata-se de dispositivo que visa a coibir a ocorrência de superfaturamento através do chamado “jogo de planilha”, caracterizado pela elevação de quantitativos de itens com preços unitários superiores aos de mercado e redução de quantitativos de itens com preços inferiores, obtendo, assim, um valor global que assegura a competitividade da proposta e possibilita a realização futura de aditivos aumentando os quantitativos dos itens orçados com sobrepreço. Outra alteração em igual sentido é a nova sistemática de aditamento de contratos que não contemplam preços unitários. Nesses casos, quando o aditamento se fizer necessário, os preços unitários não poderão ser mais fixados por acordo das partes, mas sim pela aplicação da relação geral entre os valores da proposta e o do orçamento-base 4 da Administração sobre os preços referenciais ou de mercado vigentes na data do aditamento (art. 127). Ainda para os contratos de obras e serviços de engenharia, a Nova Lei de Licitações determina que, quando as alterações contratuais decorrerem de falhas de projeto, caberá a responsabilização do responsável técnico e a adoção das providências para o ressarcimento dos danos causados à Administração (art. 124, §1º). Por fim, para os contratos administrativos em geral, a Nova Lei de Licitações esclarece que a formalização de termo aditivo é condição para a execução, pelo contratado, das prestações determinadas pela Administração no curso da execução do contrato, podendo ser antecipados os efeitos em caso de justificada necessidade, pelo prazo máximo de um mês (art. 132). A obrigação de celebração de termo aditivo não se aplica aos registros que não caracterizem alteração, os quais poderão ser realizados por simples apostila, como nos casos de variação do valor contratual para fazer face ao reajuste ou repactuação de preços previstos no próprio contrato; atualizações, compensações ou penalizações financeiras decorrentes das condições de pagamento previstas no contrato; alteração na razão social ou denominação do contratado; e empenho de dotações orçamentárias. EXTINÇÃO DOS CONTRATOS ADMINISTRATIVOS Assim como nos casos de alteração, os contratos administrativos podem ser extintos unilateralmente pela Administração ou de forma consensual, em ambos os casos devendo ser precedida por autorização escrita e fundamentada da autoridade competente, reduzida a termo no respectivo processo (art. 138, §1º). Diferentemente da Lei nº 8.666/1993, que listava as hipóteses em que caberia a extinção unilateral do contrato, a Nova Lei de Licitações estabelece que a Administração poderá extinguir unilateralmente o contrato sempre que o descumprimento não for decorrente de sua própria conduta (art. 138, inciso I). Já a extinção consensual passa a incluir, além da extinção por acordo entre as partes, os casos de extinção como resultado da aplicação de mecanismos alternativos de resolução de conflitos, como a conciliação, a mediação e os comitês de resolução de disputas, desde que haja interesse da Administração (art. 138, inciso II). A Nova Lei de Licitações também tornou expressa a necessidade de indicação formal dos motivos que dão ensejo à intenção de extinguir o contrato nos autos de processo administrativo, assegurada a ampla defesa e contraditório (art. 137). Ainda que tal obrigação já decorresse de outros normativos – a exemplo da Lei nº 9.784/1999, a Lei Federal de Processo Administrativo, e da Lei nº 13.655/2018, que alterou a Lei de 5 Introdução às Normas do Direito Brasileiro – trata-se de medida importante para assegurar os direitos dos particulares contratados frente ao exercício das prerrogativas pela Administração Pública. A maioria das hipóteses de extinção dos contratos administrativos permanece inalterada, a exemplo do não cumprimento ou cumprimento irregular de normas editalícias ou cláusulas contratuais, especificações, projetos e prazos; o desatendimento das determinações regulares emitidas por autoridades designadas para acompanhar e fiscalizar a execução do contrato ou autoridade superior; a alteração social ou modificação da finalidade ou da estrutura da empresa que restrinja sua capacidade de concluir o contrato; a decretação de falência, insolvência civil , dissolução da sociedade ou falecimento do contratado; a ocorrência de caso fortuito ou força maior, regularmente comprovados, impeditivos da execução do contrato; e a possibilidade de extinção unilateral do contrato por razões de interesse público, justificadas pela autoridade máxima do órgão ou da entidade contratante (art. 137, incisos I a V e VIII). Diversas hipóteses foram suprimidas, sem implicar mudanças significativas na matéria. A rigor, foram eliminadas por já estarem abarcadas em outras rubricas, como nos casos de extinção por lentidão no cumprimento, atrasos injustificados e paralisações sem justa causa e prévia comunicação que eram previstas na Lei nº 8.666/1993. Por outro lado, novas hipóteses de extinção foram criadas pela Nova Lei de Licitações. Entre elas, os casos de atraso na obtenção de licença ambiental, impossibilidade de obtêla, ou alteração substancial do anteprojeto que dela resultar, ainda que obtida no prazo previsto; de atraso na liberação de áreas sujeitas a desapropriação, desocupação ou servidão administrativa, bem como a impossibilidade de liberação dessas áreas; e o não cumprimento de obrigações relativas à reserva de cargos prevista em lei, bem como em outras normas específicas, para pessoa com deficiência, reabilitado da Previdência Social ou para aprendiz (art. 137, incisos VI, VII e IX). Quanto à última, destaca-se que a Nova Lei de Licitações passou a exigir do licitante declaração de que cumpre com as exigências de reserva de cargos durante a fase de habilitação (art. 63, inciso IV), bem como manter seu cumprimento ao longo de toda a execução contratual (art. 116), razão pela qual deixou de se estipular a margem de preferência para bens e serviços produzidos ou prestados por empresas que comprovassem o seu cumprimento, como previsto na Lei nº 8.666/1993. A Nova Lei de Licitações não trouxe nenhuma hipótese nova em que o contratado terá o direito de pleitear a extinção do contrato. Manteve-se idêntica a hipótese de extinção por supressão, por parte da Administração, de obras, serviços ou compras que acarrete modificação do valor inicial além do limite percentual máximo permitido (art. 137, §2º, inciso I). As demais sofreram ajustes, principalmente com relação aos prazos: no caso da suspensão da execução do contrato, por ordem escrita da Administração, a extinção passou a ser possível quando a suspensão exceder o prazo de três meses corridos ou quando repetidas suspensões totalizarem o prazo de 90 (noventa) dias úteis (art. 137, §2º, incisos II e III), menos que os 120 (cento e vinte dias) previstos pela Lei nº 8.666/1993; 6 e, no caso de atrasos nos pagamentos ou parcela de pagamentos devidos pela Administração, o contratado passa a poder pleitear a extinção do contrato quando este for superior a dois meses, contados da emissão da nota fiscal, também reduzindo em trinta dias o prazo atualmente previsto na Lei nº 8.666/1993. Por fim, também é prevista a hipótese de extinção por iniciativa do contratado no caso de não liberação pela Administração, nos prazos contratuais, de área, local ou objeto, para execução de obra, serviço ou fornecimento, tendo sido acrescentada pela Nova Lei de Licitações a não liberação de fontes de materiais naturais especificadas no projeto, inclusive devido a atraso ou descumprimento das obrigações atribuídas pelo contrato à Administração relacionadas a desapropriação, a desocupação de áreas públicas ou a licenciamento ambiental (art. 137, §2º, inciso V). Nas hipóteses previstas nos incisos II, III e IV do §2º do artigo 137, o contratado poderá optar pela suspensão do cumprimento das obrigações assumidas até a normalização da situação, preservado o equilíbrio econômico-financeiro do contrato (art. 137, ª3º, inciso I). Tal qual já é previsto, tais hipóteses de extinção pelo contratado não podem ser pleiteadas pelo contratado em caso de calamidade pública, grave perturbação da ordem interna ou de guerra, bem como quando decorrerem de ato ou fato que o contratado tenha praticado, do qual tenha participado ou para o qual tenha contribuído (art. 137, §3º, inciso I). Quanto aos efeitos da extinção dos contratos administrativos, poucas foram as mudanças trazidas pela Nova Lei de Licitações. No caso de extinção por culpa exclusiva da Administração, o contratado segue tendo direito à devolução da garantia, aos pagamentos devidos pela execução do contrato até a data da extinção e ao pagamento do custo da desmobilização (art. 137, §2º). Nos casos em que a Administração determinar a extinção por ato unilateral, poderá ser determinada a assunção imediata do objeto; a ocupação e utilização do local, instalações, equipamento, material e pessoal empregados necessários à continuidade do contrato; a execução da garantia contratual; e a retenção dos créditos decorrentes do contrato, até o limite dos prejuízos causados à Administração e das multas aplicadas (art. 139, incisos I a IV). Vale notar que a Nova Lei de Licitações acrescentou a possibilidade de execução da garantia contratual para pagamento de verbas trabalhistas, fundiárias e previdenciárias, e para exigência da assunção da execução e conclusão do objeto do contrato pela seguradora, quando cabíveis, além do ressarcimento por prejuízos decorrentes da não execução e o pagamento de multas devidas à Administração. Por fim, ponto importante trazido pela Nova Lei de Licitações é o reconhecimento expresso de que a extinção do contrato não configura óbice para o reconhecimento do desequilíbrio econômico-financeiro, sendo devida, nesses casos, indenização ao contratado, concedida através de termo indenizatório (art. 131). A lei acrescenta que o pedido de restabelecimento do equilíbrio deve ser formulado durante a vigência do contrato e antes de eventual prorrogação (art. 131, parágrafo único). Entretanto, disso 7 não decorre que será descabida a indenização nos casos em que não for formulado pleito de reequilíbrio durante a vigência do contrato, sob pena de tornar inútil a previsão anterior e restar configurado enriquecimento ilícito da Administração Pública. Mais adequada parece a leitura pela qual o pedido de restabelecimento do equilíbrio econômico-financeiro inicial deixa de ser a via adequada após a extinção do contrato, devendo ser pleiteado o ressarcimento pela via judicial.