Um ano depois da entrada em vigor da Lei n.º 23/2012, de 25 de junho, o Tribunal Constitucional (TC)
pronunciou-se, no Acórdão n.º 602/2013 sobre um conjunto de matérias consagradas na Reforma Laboral
de 2012, designadamente:
a) Banco de horas individual e grupal;
b) Descanso compensatório em caso de trabalho suplementar, pagamento do trabalho suplementar e
prestações relativas a trabalho em dia feriado;
c) Feriados obrigatórios e majoração do período anual de férias em função da assiduidade;
d) Despedimento por extinção de posto de trabalho;
e) Despedimento por inadaptação; e
f) Nulidade, redução ou suspensão de disposições de instrumentos de regulamentação coletiva de
trabalho.
1. Os antecedentes da Reforma Laboral de 2012
O Acordo Tripartido para a Competitividade e Emprego (22.3.2011), assinado entre o Governo
Português e a maioria dos Parceiros Sociais com assento na Comissão Permanente de Concertação
Social, o Memorando de Entendimento sobre as Condicionalidades de Política Económica (17.5.2011),
assinado entre o Estado Português, a Comissão Europeia, o Banco Central Europeu e o Fundo Monetário
Internacional, e o Compromisso para o Crescimento, Competitividade e Emprego (18.1.2012), assinado
O Acórdão do Tribunal Constitucional
sobre a Reforma Laboral de 2012
David Carvalho Martins
Advogado da Gómez-Acebo & Pombo
Atualidade Laboral | Outubro 2013 2
entre o Governo Português e a maioria dos Parceiros Sociais com assento na Comissão Permanente de
Concertação Social são os antecedentes da Reforma Laboral de 2012.
2. O banco de horas individual e grupal
Embora se verifiquem votos de vencido de alguns juízes conselheiros, o TC decidiu não declarar a
inconstitucionalidade destas normas.
Segundo o TC, o trabalhador pode opor-se ao regime de banco de horas individual e, por isso, não
existe uma pura imposição unilateral do banco de horas individual. Como bem refere o TC, o banco
de horas individual permite uma melhor modulação temporal dos períodos de trabalho que pode
assegurar uma maior compatibilização da vida profissional com a vida pessoal do trabalhador.
Por seu lado, o banco de horas grupal é também conforme com a Constituição, na medida em que
as limitações dos direitos individuais dos trabalhadores são apenas as necessárias para assegurar o
exercício do poder de direção do empregador – enquanto manifestação da liberdade fundamental de
iniciativa económica –, a gestão da empresa e o interesse dos demais trabalhadores abrangidos por
este regime.
3. O descanso compensatório, o trabalho suplementar e o trabalho em dia feriado
O TC decidiu não declarar a inconstitucionalidade destas normas, na medida em que, após as alterações
legislativas, a redução, para metade, dos acréscimos remuneratórios devidos pela prestação de
trabalho suplementar não é, só por si, suscetível de atentar contra aquele direito [direito à retribuição
do trabalho], uma vez que, apesar da forte redução, se mantém um tratamento diferenciado (mais
favorável do ponto de vista remuneratório) do trabalho prestado a título suplementar. Por seu lado, a
eliminação do descanso compensatório é uma medida que visa, igualmente, a redução dos custos do
trabalho, mas não coloca em causa o tratamento mais favorável do trabalho prestado fora do horário
de trabalho.
4. Os feriados obrigatórios e a majoração do período anual de férias em função da assiduidade
O TC decidiu, também, não declarar a inconstitucionalidade destas normas.
No que diz respeito à redução dos feriados obrigatórios, o TC considerou que a remuneração não se
encontra indexada ou concebida em função de um número fixo ou mínimo de feriados anuais, pelo
que a variação destes não é uma causa com efeitos remuneratórios diretos. Por outro lado, não há
qualquer expectativa juridicamente tutelável – e muito menos um direito – à imutabilidade do elenco
legal dos feriados obrigatórios.
No que toca à majoração do período anual de férias, o TC entendeu que o legislador pode criar ou
eliminar este tipo de mecanismos, desde que não coloque em causa a duração mínima do período
anual de férias. Acresce que uma convenção coletiva de trabalho pode consagrar períodos de férias
mais amplos do que os previstos na lei.
5. O despedimento por extinção de posto de trabalho
Embora se verifiquem votos de vencido de alguns juízes conselheiros, o TC decidiu declarar a
inconstitucionalidade de algumas normas que regem o despedimento por extinção de posto de
trabalho.
Na Reforma Laboral de 2012, o legislador atribuiu ao empregador a competência para definir os
critérios de seleção do trabalhador a despedir por extinção de posto de trabalho, desde que fossem
critérios relevantes face aos motivos invocados e não discriminatórios. Segundo o TC, esta opção
legislativa apoiou-se em conceitos vagos e indeterminados, desprovidos de um mínimo de precisão
e de eficácia denotativas do tipo e conteúdo dos critérios aplicáveis, pelo que deles não se pode
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esperar que balizem suficientemente a margem de disponibilidade do empregador, retirando-lhe a
possibilidade de seleção arbitrária do trabalhador a despedir. De acordo com este entendimento,
a norma viola a proibição dos despedimentos sem justa causa e, como tal, foi declarada inconstitucional.
O TC parece apontar para a necessidade de o legislador apresentar uma lista de critérios-tipo para
este efeito, o que contrasta com a ampla margem conferida ao empregador no despedimento coletivo.
A outra norma em crise prendia-se com a eliminação do requisito da inexistência de outro posto de
trabalho compatível com a categoria profissional do trabalhador abrangido pelo despedimento por
extinção de posto de trabalho (“despedimento alternativo”). Ora, segundo o entendimento exposto no
Acórdão, da proibição dos despedimentos sem justa causa decorre que o despedimento por motivos
objetivos deve ser configurado como uma ultima ratio, o que não é compatível com a dispensa do dever
de integrar o trabalhador em posto de trabalho alternativo, quando este exista. Nem é compatível,
acrescente-se, com uma cláusula aberta que deixe nas mãos do aplicador-intérprete a possibilidade
de casuisticamente concretizar, ou não, um tal dever.
6. O despedimento por inadaptação
O TC decidiu declarar a inconstitucionalidade da norma que revogou o requisito da inexistência
na empresa de outro posto de trabalho disponível e compatível com a qualificação profissional do
trabalhador (“despedimento alternativo”). Ora, os fundamentos referidos no §5.º são nesta sede
também aplicáveis. A inconstitucionalidade reside, grosso modo, na conceção do despedimento como
último recurso do empregador.
Todavia, o TC decidiu não declarar a inconstitucionalidade – ainda que com votos de vencido de
alguns juízes conselheiros - da nova modalidade de despedimento por inadaptação, isto é, quando não
tenha havido modificações no posto de trabalho (despedimento por inaptidão). Esta inadaptação do
trabalhador ao posto de trabalho é revelada apenas por uma modificação substancial do modo como
ele exerce as suas funções, sendo que tal modificação, para ser relevante, deve estimar-se como
tendo caráter definitivo. Segundo o TC, não é exigível ao empregador manter uma relação de trabalho
com um trabalhador, quando se verifica uma redução continuada da produtividade ou da qualidade da
prestação, ainda que não lhe seja imputável a título de culpa.
7. A nulidade das disposições de instrumentos de regulamentação coletiva de trabalho
relativas às compensações por cessação do contrato de trabalho
Embora se verifiquem votos de vencido de alguns juízes conselheiros, o TC decidiu não declarar a
inconstitucionalidade desta norma. Com efeito, a matéria das compensações por cessação do contrato
de trabalho pode ser regulada por instrumentos de regulamentação coletiva de trabalho (v.g. contratos
coletivos de trabalho e acordos de empresa), sendo que o legislador pode limitar a autonomia das
partes neste domínio, nomeadamente com o objetivo de igualizar, subordinando a um mesmo teto, as
compensações financeiras a pagar pelos empregadores aos trabalhadores.
8. O descanso compensatório por trabalho suplementar prestado em dia útil, em dia de
descanso semanal complementar ou em dia feriado e a majoração do período anual
de férias regulados por instrumentos de regulamentação coletiva de trabalho
Embora se verifiquem votos de vencido de alguns juízes conselheiros, o TC decidiu declarar a
inconstitucionalidade das normas que determinavam a nulidade das disposições de instrumentos
de regulamentação coletiva de trabalho, na medida em que desconsideravam os resultados da
negociação coletiva anterior à data da entrada em vigor da Lei n.º 23/2012 e condicionavam as futuras
convenções coletivas de trabalho com a redução do patamar de realização anteriormente alcançado
em sede de contratação coletiva, sem que se mostrassem idóneas ao fim prosseguido pelo legislador
(a padronização de regimes aplicáveis associada a uma diminuição dos custos do trabalho).
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9. Os acréscimos de pagamento de trabalho suplementar, a retribuição do trabalho normal
prestado em dia feriado ou descanso compensatório por essa mesma prestação regulados
por instrumentos de regulamentação coletiva de trabalho
Embora se verifiquem votos de vencido de alguns juízes conselheiros, o TC decidiu não declarar a
inconstitucionalidade da norma que determina a suspensão destas disposições de instrumentos de
regulamentação coletiva de trabalho, visto que, apesar de se tratar de uma ingerência no âmbito
de proteção constitucional do direito de contratação coletiva, é uma medida adequada, necessária e
equilibrada em vista da salvaguarda de interesses constitucionalmente relevantes como o cumprimento
das metas e compromissos assumidos internacionalmente no quadro do Memorando de Entendimento
e a própria competitividade da economia nacional numa conjuntura particularmente difícil para as
empresas nacionais.
Todavia, o TC declarou inconstitucional a redução legal automática destes montantes após o decurso
de dois anos sem que as disposições dos instrumentos de regulamentação coletiva de trabalho fossem
alteradas com os fundamentos referidos anteriormente (cfr. § 8 supra).
10. Efeitos da decisão de inconstitucionalidade na vida das empresas
A declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral produz efeitos retroativos, isto é,
os seus efeitos reportam-se à data da entrada em vigor das normas declaradas inconstitucionais
(1.8.2012), ficando, no entanto, ressalvados os casos julgados (decisão de um tribunal insuscetível de
recurso ordinário). Há autores que entendem que esta proteção das decisões judiciais é igualmente
extensível às relações consolidadas por cumprimento de obrigações.
Neste sentido e em regra, todos os atos praticados ao abrigo das normas declaradas inconstitucionais
pelo TC são inválidos. Por exemplo, um despedimento por extinção do posto de trabalho que não
tenha respeitado a regra da antiguidade ou o requisito da inexistência de outro posto de trabalho
compatível com a categoria profissional do trabalhador abrangido deverá ser considerado inválido e,
por conseguinte, o empregador pode ser condenado na reintegração do trabalhador no seu posto de
trabalho e no pagamento das retribuições que o trabalhador deixou de auferir desde o despedimento.
Por seu lado, o trabalhador deverá restituir o valor recebido a título de compensação pelo despedimento.
Em igual situação encontrar-se-á o trabalhador despedido por inadaptação se não foi demonstrada
a inexistência de outro posto de trabalho compatível com a categoria profissional e capacidade do
trabalhador abrangido.
Podem, ainda, colocar-se questões de diferenças salariais ou de não gozo de dias de férias pela não
aplicação de disposições de convenções coletivas de trabalho.
Na falta de uma decisão do TC sobre a ressalva de efeitos já produzidos antevê-se um potencial
aumento da litigiosidade laboral.
Duas notas finais.
O ato declarado inconstitucional pode determinar a responsabilidade civil do Estado, nomeadamente
no caso de resultarem prejuízos daquele ato. Por outro lado, poderá eventualmente colocar-se a
questão da responsabilidade civil do Estado pela demora (excessiva) na prolação de um Acórdão
pelo Tribunal Constitucional com consequências, neste momento, indetermináveis para a vida dos
empregadores e dos trabalhadores.
Por fim, devemos notar que o TC foi sensível, neste Acórdão, aos argumentos da redução dos custos do
trabalho, da competitividade da economia portuguesa e das obrigações internacionalmente assumidas
pelo Estado português.
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A maior surpresa reside, talvez, na decisão de não declarar inconstitucional a nova modalidade de
despedimento por inadaptação, isto é, o despedimento por inaptidão ou menor capacidade profissional
do trabalhador.
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