Tribunal da Relação de Lisboa| Acórdão do TRL de 22.06.2016
«I-Tendo, num processo crime em fase de inquérito, requerido o Ministério Público, ao Juiz de Instrução Criminal, que fosse oficiado às operadoras de telemóveis o envio de listagem contendo todos os dados de tráfego – registos completos das comunicações efetuadas e recebidas nas BTS com indicação da hora e com indicação dos números chamados e chamadores, incluindo as mensagens de texto, duração e hora das chamadas e localização celular – relativos aos cartões SIM que operaram num determinado período de tempo, quanto às antenas que identificou (19 todas situadas no Centro de Cascais), mas não estando concretizados alvos determináveis, e atingindo a diligência pretendida um universo ilimitado e indiferenciado de cidadãos que não se integram no conceito jurídico-penal de “suspeitos”, o deferimento da sua realização iria contra o disposto na al. a) do n.º 3 do art.9.º da Lei n.º 32/2008, de 17 de julho, para além de não respeitar os princípios da proporcionalidade e da adequação cuja observância o n.º 4 desse normativo e o art. 18.º, n.º 2, da CRP impõem.
II- Posição diversa poder-se-ia porventura aceitar num caso em que desconhecendo-se quem eram os suspeitos a diligência requerida presumivelmente não atingisse um grande e incerto número de cidadãos mas tão só os potenciais autor(es) do crime e sua(s) vítima(s), como sucederia perante uma baixíssima densidade populacional no território para o qual se pretendia que as operadoras de telemóveis facultassem os dados conservados de tráfego e de localização celular relativos a comunicações telefónicas.
III- Situação diferente será também aquela em que um dia os avanços tecnológicos nos permitam circunscrever à localização de um único prédio ou a um raio de muito curta distância em volta deste a informação sobre o tráfego de dados de telemóveis ocorrido num determinado período de tempo, também ele reduzido, que se saiba ter sido o da consumação de um crime violento, nele se incluindo os minutos que imediatamente o anteceram e precederam.
IV-O não se ficar a conhecer o conteúdo do tráfego não exclui a possibilidade de graves repercussões na vida de um inocente estranho ao processo crime em fase de inquérito/investigação, porquanto o simples facto de uma pessoa ligar para outra, cujos números de telemóvel e de IMEI são revelados, a determinada hora, a partir de certo local e com uma duração de chamada telefónica de X tempo, já está por si só a facultar a terceiros preciosos elementos de referenciação.»